A HISTÓRIA DE ESTELA
Tessa era uma idosa senhora que vivia num
dos mais pobres bairros de Roma. Pobre, sem amigos, fiava para ganhar a escassa
subsistência.
Convertida à religião
cristã, Tessa muitas vezes se dirigia de noite às catacumbas, onde pequeno
grupo de consagrados cristãos se reunia secretamente para o culto.
O imperador Nero olhava com amargo ódio a
todos os cristãos, e seus soldados sempre estavam de vigia para prendê-los. Era
plano desse monstro, para exterminar a nova religião, mandar todos os cristãos
serem espedaçados por feras, para divertimento do povo romano.
Sendo muito pobre e inteiramente
desconhecida, Tessa nunca era molestada pelos soldados e vivia em paz fiando,
fiando o dia todo.
Certa noite bateu à porta. Embora fosse tarde e ela nunca recebesse
visitas, não temeu levantar-se e abri-la. Que tinha a recear quem era tão
pobre? Entrou um homem, conduzindo pela mão uma meninazinha.
- Lúcio exclamou Tessa, admirada. A esta
hora! Que grave acontecimento levou você,
professor cristão, a expor-se aos perigos destas escuras e perversas
ruas?
- Silêncio! Disse ele, levando o dedo aos
lábios. Não posso demorar-me. Foram
presas hoje centenas de verdadeiros crentes. Amanhã ou depois, serão lançados
aos leões.
- Ah! Que crime cometeram? Suspirou Tessa.
Lúcio apenas meneou a cabeça e murmurou
“ai”!
- Esta menininha, continuou, trazendo para
frente à criança, chama-se Estela. Os pais foram levados e condenados à morte.
Salvei-a e trouxe-a aqui. Sei que a senhora é pobre. É lhe possível cuidar
dela?
- Sim, certamente, respondeu Tessa. Sempre
foi meu sonho ter uma frágil criaturinha, como essa para amar e proteger. Agora
Deus me concedeu esse desejo. Louvado seja Seu nome!
Trabalharei para duas, isso é tudo.
- Deus a recompensará também por isso. E
agora preciso ir. Adeus, Estelinha. Que o céu as abençoe e as livre da mão dos
ímpios!
- Amém! Disse Tessa. Aonde vai a esta hora?
- Unir-me no cárcere a meus infelizes
irmãos. Cumpre-me levar-lhes, em seus últimos momentos, o conforto de nossa
religião, e depois morrer com eles.
- Quão nobre e bom é você! volveu Tessa,
inclinando-se.
Estela era uma criança doce e terna, e sua
presença foi um raio de sol na pobre habitação de Tessa. Nada sabia da terrível
sorte dos pais e, pequenina como era, logo se habituou ao novo lar. Começou a
chamar a Tessa “mãe” e interessou-se profundamente na fiação.
Passaram-se assim longos anos e a criança
tornou-se encantadora moça. Nada veio empanar o brilho da quieta casinha, e
Tessa começou a nutrir esperanças de ter o imperador encontrado algum outro
divertimento que não o de matar cristãos.
Ah! Em breve deveria ser-lhe desfeita a
ilusão. Circulou em Roma a notícia de que a estátua de Nero fora danificada por
pequeno grupo de cristãos e, sem verificar se isso era ou não verdade, o
imperador começou a castigá-los mais que antes.
Dessa vez Tessa e sua amiguinha não
escaparam. Foram levadas por soldados e postas em celas separadas, entre outros
infelizes prisioneiros, todos condenados à morte.
Chegou a manhã do fatal dia em que todos
deveriam ser lançados às feras. As celas
em que estavam encerrados os crentes eram prisões ao redor da grande arena, ou
circo, e a ela davam acesso, separadas por barras de ferro. Através dessas barras, os infelizes
prisioneiros que ainda esperavam sua vez, viam os companheiros sendo mandados à
morte.
Os assentos ao redor do vasto circo
elevavam-se fileira sobre fileira e estavam tomados por pessoas que se compraziam
em assistir a esses terríveis espetáculos. Ninguém os apreciava mais que o
próprio Nero. Lá estava ele no camarote imperial, numa espécie de embriagado
torpor, contemplando a tortura dos
cristãos.
As últimas a serem mandadas para a arena
foram Estela e a velhinha. Ao ver Tessa, a menina exclamou: “Oh, Mamãe!”.
Correu para ela pondo-lhe os braços em
volta do pescoço. Estela não viu os leões, nem o imperador, nem o vasto
auditório que a contemplava, mas unicamente a amiga, a quem estreitou nos
braços.
De repente Tessa soltou um grito
penetrante. “Olhe”! Disse ela apontando para frente, com mão trêmula. Estela
voltou-se. Enorme leão africano para elas se dirigia com passo lento e
majestoso.
Tessa ajoelhou-se e começou a orar. Estela,
encarando o leão, postou-se firmemente em frente da senhora, como para
protegê-la. Nessa posição, olhava resolutamente ao animal, enquanto de todos os
lados se levantavam murmúrios de admiração. Até o imperador, surpreso ante a
estranha cena, inclinou-se para frente.
O leão avançava. Estela
estendeu os braços para fechar o caminho entre a fera e sua mãe adotiva. Os
romanos nunca tinham visto tanta coragem, e estrepitosos aplausos encheram o
ar.
Ao ver o que aconteceu caminhou-se para o
terrível animal, ajoelhou-se e, pondo-lhe os braços em volta do pescoço,
acariciou-o suavemente. Ele deteve-se por um momento, entre os braços da jovem,
e depois, vagarosa e calmamente,
voltou-se e foi-se embora.
Nero riu-se. Agradou-lhe a romântica cena.
Essa pequena fez alguma coisa nova, disse ele. Não vemos todos os dias tal
coragem. Que ela e a mãe sejam postas em liberdade.
Minutos depois, ambas se dirigiam para
casa, louvando a Deus pelo milagre que operara para salvá-las.
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